[Fechar]

Últimas notícias

Burocracia, a inimiga da produção científica

Cerca de 90% dos pesquisadores do País desistem ou mudam os rumos de seus estudos porque os insumos importados demoram mais de ano para chegar

Fotos: Gustavo Carneiro
Na UEL, dos 1.355 projetos cadastrados na Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, mais da metade é comprometida pela burocracia
Londrina – A burocracia para a importação de reagentes e equipamentos utilizados em pesquisas científicas é apontado pela comunidade acadêmica como um dos principais responsáveis pela falta de competitividade dos pesquisadores brasileiros em relação aos profissionais de países desenvolvidos. De acordo com a geneticista Lygia Pereira, professora da Universidade de São Paulo (USP), o mesmo produto que está disponível em dois dias para um pesquisador americano pode levar, em casos mais graves, até dois anos para chegar às universidades do Brasil.

Um questionário elaborado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aponta que 90% dos pesquisadores brasileiros tiveram que mudar os rumos das pesquisas ou até mesmo desistir dos trabalhos por problemas com importação. Quase a totalidade dos equipamentos e reagentes são fabricados em outros países, cerca de 80% nos Estados Unidos. "Em termos de ciências, dois ou três meses de espera são uma eternidade. Enquanto esperamos insumos, alguém já publicou a ideia no exterior", lamenta Lygia.

O entrave burocrático pode ajudar a explicar por que o Brasil, mesmo sendo um dos países que mais investem em pesquisa científica (cerca de R$ 59,4 bilhões por ano) e é o líder em publicações de artigos na América do Sul, caiu no ranking que mede o impacto de seus estudos na comunidade internacional. O indicador mundial é aferido pela quantidade de citações em outros artigos. O País foi da 31ª para a 40ª posição. "O atraso por burocracia tem influência direta. Se eu tenho um artigo inédito, consigo publicações categoria ‘A’, melhor avaliada. Se alguém já apresentou a ideia, não vai interessar para a revista conceituada. Tenho que procurar outras de menor impacto", explica o pró-reitor em Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Amadeu Alfieri, que está com materiais retidos na alfândega há sete meses. "São pesquisas de virologia que que não podem esperar. Para contornar isso, acabamos comprando de empresas especializadas em importação que chegam a cobrar o triplo do preço pelos produtos", conta.

Alfieri expõe que a UEL tem hoje 1.355 projetos de pesquisas cadastrados na Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação. Mais da metade deles são afetados pela burocracia. "Com exceção de Humanas, quase todas as áreas da Universidade são afetadas pelo problema. Temos que trabalhar isso com o aluno, elaborar adaptações para evitar a perda de toda a pesquisa", revela.

REALIDADES

A pesquisadora Lygia Pereira, que também é cientista do Instituto de Biociências da USP e doutora em Genética Humana Molecular pelo Mount Sinai Medical Center, em Nova York, conheceu de perto o trabalho realizado no país considerado modelo. Ela reconhece que, em termos de investimentos e estrutura, qualquer tipo de comparação é perda de tempo. "São realidades distintas". O que Lygia defende são políticas de facilitação das condições de pesquisa. "Cobrar excelência em pesquisa em um país que não consegue dar educação básica é difícil. Mas, sem gastar mais, é possível resolver o problema da burocracia. Não é questão de aumentar verba, sim de vontade política", critica.

O atraso provoca também a perda de qualidade dos materiais. "Quando os materiais chegam na nossa mão já perderam um pouco da sua qualidade, pois vão se degradando ao longo dessa longa jornada. Quando perguntam porque o resultado das pesquisas nos países desenvolvidos é melhor, a resposta não é a água, ou o clima, é porque o material chega lá fresco, rápido", relata. "Aqui no Brasil não falta cabeça. A coisa mais difícil de encontrar são cérebros, pessoas competentes. Nós temos os recursos humanos, só que estão subaproveitados por causa das condições de pesquisa", completa.

Segundo ela, um reflexo imediato é a desmotivação dos cientistas. "Isso tudo cria uma comunidade científica que vai ficando frustrada e que começa a não querer ser muito ousada. Não sonha grande porque vai ter que ficar esperando reagente. Então começa a sonhar menorzinho. Isso cria um círculo vicioso muito ruim, desperdiçando todo o potencial produtivo dos pesquisadores brasileiros".
Celso Felizardo
Reportagem Local-folha de londrina
UA-102978914-2